A digestão dos ruminantes é um dos processos biológicos mais eficientes da natureza quando se trata do aproveitamento de fibras vegetais. Bovinos, ovinos, caprinos e outros animais ruminantes são capazes de extrair energia de materiais fibrosos como celulose e hemicelulose graças à ação da microbiota ruminal — um complexo ecossistema microbiano presente em seu sistema digestivo. Neste artigo, vamos entender como essa digestão acontece, qual o papel dos ácidos graxos voláteis (AGVs) produzidos no rúmen pela fermentação, e como a estrutura deste compartimento favorece o processo.
A Estrutura do Rúmen: Um Compartimento Estratégico
O rúmen é o maior dos quatro compartimentos do estômago dos ruminantes (rúmen, retículo, omaso e abomaso), podendo conter até 200 litros em bovinos adultos. Sua parede é revestida por papilas ruminais, que aumentam a área de absorção dos produtos da fermentação. Ele não possui glândulas digestivas, mas abriga trilhões de microrganismos — bactérias, protozoários, fungos e arqueas — que são responsáveis por fermentar a matéria vegetal ingerida.
A temperatura constante (em torno de 39 °C), o pH estável (entre 6 e 7) e o ambiente anaeróbico tornam o rúmen ideal para o crescimento desses microrganismos. A movimentação rítmica da parede ruminal promove a mistura dos conteúdos e favorece o contato entre os alimentos e a microbiota.
Digestão de Fibras pela Microbiota Ruminal
A principal função da microbiota ruminal é a fermentação dos carboidratos contidos nas plantas na dieta, especialmente celulose e hemicelulose, presentes em forragens como capins, fenos e silagens. Enzimas produzidas por bactérias fibrolíticas quebram essas fibras em unidades menores, processo que não seria possível apenas com as enzimas digestivas do próprio animal.
Durante a fermentação, esses microrganismos transformam os polissacarídeos em ácidos graxos voláteis (AGVs), que são a principal fonte de energia para os ruminantes. Estima-se que até 70% da energia metabolizável dos bovinos venha dos AGVs.
Os Três Principais Ácidos Graxos Voláteis (AGVs) gerados na digestão dos ruminantes
A fermentação ruminal gera três AGVs principais: ácido acético (acetato), ácido propiônico (propionato) e ácido butírico (butirato). Cada um tem um papel específico no metabolismo dos ruminantes:
1. Ácido Acético (Acetato)
O acetato é o AGV produzido em maior quantidade, especialmente em dietas ricas em fibras. Ele é fundamental para a síntese de ácidos graxos, sendo amplamente utilizado na formação de gordura corporal e leite em vacas leiteiras. O acetato não se converte em glicose e, por isso, sua principal função é energética e lipogênica.
2. Ácido Propiônico (Propionato)
O propionato é o único AGV que o fígado é capaz de converter em glicose via gliconeogênese. É, portanto, a principal fonte de glicose para ruminantes, que não absorvem grandes quantidades de carboidratos diretamente. Dietas com maior teor de concentrados, como grãos, estimulam a produção de propionato.
3. Ácido Butírico (Butirato)
O butirato, embora produzido em menor proporção, tem papel essencial no fornecimento de energia para as células epiteliais do próprio rúmen. Ele contribui para o desenvolvimento das papilas ruminais em animais jovens e participa da regulação do metabolismo energético.
Absorção e Utilização dos AGVs
Os AGVs são rapidamente absorvidos pelas papilas do rúmen e seguem para o fígado através da veia porta. Lá, são metabolizados conforme a necessidade do animal: o acetato e o butirato são usados diretamente como fonte de energia, enquanto o propionato é transformado em glicose.
Além disso, a fermentação ruminal também gera gases (metano e dióxido de carbono), que o animal elimina por eructação. A eficiência desse processo influencia diretamente no desempenho produtivo dos animais, sendo um dos focos principais de pesquisas em nutrição de ruminantes.
Conclusão:
A digestão das fibras pelos ruminantes é um processo altamente especializado que depende da interação entre o animal e sua microbiota ruminal. A produção dos ácidos graxos voláteis — especialmente acetato, propionato e butirato — é fundamental para o metabolismo energético, a produção de leite, carne e o bom desempenho geral dos animais.
Compreender a importância da fermentação ruminal permite ao produtor ajustar a dieta de forma estratégica, promovendo melhor aproveitamento da forragem, reduzindo custos e aumentando a eficiência produtiva.
Referência:
EMBRAPA
Publicado: 04/08/2025
Escrito por: Paulo Vitor Muguet de Oliveira (UFRRJ)
E-mail: vitor.muguet@hotmail.com