A piscicultura brasileira vem ganhando destaque no cenário mundial como uma das mais promissoras atividades aquícolas. No entanto, os desafios ambientais e econômicos exigem a adoção de tecnologias que promovam a sustentabilidade da produção. Nesse contexto, sistemas como a aquaponia, bioflocos e os sistemas de recirculação de água (RAS) se consolidam como alternativas viáveis para produzir mais, com menor impacto ambiental e maior eficiência no uso dos recursos naturais.
A crise da água e o papel da piscicultura
Segundo dados da ONU, até 2050 cerca de 5 bilhões de pessoas poderão enfrentar escassez de água pelo menos uma vez ao ano. Apesar de o Brasil ter uma das maiores reservas hídricas do planeta, há forte desigualdade na distribuição da água, além da poluição de mananciais e da crescente competição pelo recurso. A água potável é disputada por setores como agricultura, indústria, consumo humano e, cada vez mais, pela piscicultura e aquicultura.
A piscicultura tradicional demanda grandes volumes de água, sobretudo em viveiros escavados e sistemas extensivos com renovação constante. Diante da perspectiva de crise hídrica, esse modelo se torna insustentável, o que torna urgente a modernização dos sistemas produtivos.
Aquaponia: integração entre peixes e hortaliças
A aquaponia combina a criação de peixes com o cultivo de vegetais em um ambiente fechado e recirculante. Os resíduos da piscicultura fornecem nutrientes às plantas, que filtram a água e a devolvem aos tanques, formando um ciclo quase fechado de nutrientes, com mínima troca de água e eliminação de fertilizantes químicos.
Um dos maiores diferenciais da aquaponia é a economia hídrica. Estudos apontam que esse sistema consome até 90% menos água do que a agricultura convencional em solo, que sofre perdas por evaporação, drenagem e lixiviação. Isso torna a aquaponia uma alternativa sustentável para regiões com escassez de água ou uso controlado desse recurso.
Bioflocos: aproveitamento dos resíduos para alimentação
O sistema de bioflocos (BFT – Biofloc Technology) transforma resíduos orgânicos da piscicultura em alimento natural por meio do cultivo controlado de microrganismos. Esses microrganismos consomem amônia e se multiplicam, formando agregados ricos em proteína que podem ser ingeridos pelos peixes, reduzindo a necessidade de ração.
Muito utilizado na criação de tilápias e camarões, o sistema de bioflocos permite a reutilização de nutrientes e a redução na troca de água. É um aliado importante em tempos de escassez hídrica. No entanto, requer monitoramento constante da qualidade da água, controle da densidade microbiana e elevada aeração contínua, o que implica em alto consumo energético e necessidade de capacitação técnica.
Sistemas de Recirculação de Água (RAS): controle total da produção
Os sistemas RAS possibilitam o controle completo da qualidade da água por meio de recirculação, filtragem mecânica e biológica, e tratamentos complementares, como uso de luz UV ou ozônio. São ideais para produções intensivas em áreas com pouca disponibilidade hídrica e proporcionam alto nível de biossegurança.
Embora eficientes, os sistemas RAS e demais sistemas enfrentam um obstáculo importante: o custo energético. A operação contínua de bombas, filtros e aeração eleva significativamente os custos com eletricidade, limitando sua popularização, especialmente em propriedades de pequeno e médio porte.
O desafio da energia elétrica e a alternativa solar
Um dos principais entraves à adoção de sistemas sustentáveis na piscicultura é o alto custo da energia elétrica no Brasil. A dependência de equipamentos que funcionam ininterruptamente gera despesas que comprometem a viabilidade econômica da produção.
Nesse cenário, a energia solar surge como uma solução promissora e acessível. A instalação de painéis fotovoltaicos pode reduzir drasticamente os custos com eletricidade e viabilizar o uso contínuo de tecnologias como RAS, bioflocos e aquaponia. Além disso, há linhas de crédito específicas para energias renováveis no meio rural, que podem facilitar essa transição energética e fomentar a sustentabilidade no setor aquícola.
Conclusão:
A piscicultura sustentável não é apenas uma tendência, mas uma necessidade diante das mudanças climáticas, da escassez de água e da pressão por alimentos produzidos de forma responsável. Tecnologias como aquaponia, bioflocos e RAS oferecem soluções para reduzir o impacto ambiental e aumentar a eficiência produtiva.
É essencial investir em capacitação técnica, incentivar a pesquisa científica e ampliar políticas públicas que facilitem o acesso à inovação e às fontes de energia renovável. O Brasil tem condições de liderar uma nova fase da aquicultura, unindo ciência, tecnologia e consciência ambiental para transformar a produção de pescado em um verdadeiro modelo de equilíbrio entre produtividade e preservação.
Publicado: 30/07/2025
Escrito por: Cristielle Souto
E-mail: cristielle.souto@gmail.com
Link contato: aquicontinental_ufrrj (Setor de Aquicultura Continental – UFRRJ)
Referência:
FAO (2022)
Sátiro, T. M. et al. (2018). Aquaponia: sistema que integra produção de peixes com produção de vegetais de forma sustentável. Revista Brasileira de Engenharia de Pesca, 11(1): 38–54